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Identidade

     Não é incomum, hoje em dia, caracterizar muitos clubes, nacionais ou internacionais, como apenas mais um. Um conjunto de jogadores com um treinador, equipa técnica e os seus adeptos, sem que muito se saiba sobre as próprias ideias do clube ou sobre a relação que os seus jogadores têm, dentro ou fora de campo. Numa altura em que redes sociais acabam por ter uma grande influência na promoção dos clubes, dos seus atletas e das suas próprias ideias institucionais, existem equipas que acabam por beneficiar mais desse facto do que outras. O cenário ideal acaba por ser quando um clube faz questão de mostrar o companheirismo e espírito de grupo dos atletas dentro de campo, sendo que os mesmos encarregam-se de o fazer fora do campo. Eis, portanto, o Rio Ave Futebol Clube.

     Cada vez mais respeitável dentro e fora de campo, como instituição, o Rio Ave tem caminhado a passos largos para ser uma das grandes potências do futebol nacional, atrás dos 3 grandes que muitas vezes acabam por ter o seu estatuto no pódio, com maior ou menor dificuldade, garantido. Naquela que foi a época mais interessante da sua carreira em Portugal, Nuno Espírito Santo carimbou o acesso da formação de Vila Conde às eliminatórias de acesso à Liga Europa, que com Pedro Martins ia mesmo chegar à fase de grupos. Se até esse momento o Rio Ave prometia muito, esse momento - o histórico golo de Esmael Gonçalves frente ao Elfsborg - elevou o clube para um patamar ainda maior. A verdade é que mesmo a escolha do novo treinador, Pedro Martins, acabou por ser extremamente coerente, fiel às ideias do clube e dos próprios jogadores, a dum futebol sólido, de propensão ofensiva, sem medo de expressão individual. 

Sabemos todos que, a meio duma temporada, é sempre difícil solicitar os serviços de um treinador após a rescisão de outro. Isto é, de um treinador que vá de acordo às ideias do clube. E foi o que aconteceu aquando da saída de Nuno Capucho do clube rio-avista: em pleno mês de novembro, com a época a decorrer, a turma de Vila do Conde 'caprichou' na sua escolha e contratou Luís Castro, veterano técnico português que acabou por deixar um legado difícil de superar no Porto B. Com 55 anos, Luís Castro não se mostrou - e nunca o foi - o típico treinador de "velha guarda", com um discurso monótono e repetitivo. O técnico de Vila Real acabou por ser uma agradável surpresa para quem não acompanhasse com tanta atenção o seu trabalho na Segunda Liga, apresentando um discurso fresco para os verdadeiros amantes do futebol, sem medo de refletir sobre o seu modelo de jogo, ideias ou prestação da sua equipa de forma mais detalhada. Que bonito foi assistir às conferências de imprensa e flash do treinador durante 6 meses.

     Algo que indubitavelmente acaba por ajudar a estas fortes ideias e a esta evolução que o clube tem tido no futebol português nos últimos anos deve-se à forte união entre os próprios jogadores e com as pessoas que os rodeiam dentro do clube. Dentro do Rio Ave está patente a ideia de que todos têm o seu papel e que toda a gente tem o seu grau de responsabilidade, igualmente importante, no sucesso do clube. Num clube onde cada jogador vai para o seu canto, finalizados os treinos e os jogos, claro que o grau de companheirismo e amizade não será o mesmo. Duma maneira ou de outra, isso terá a sua influência dentro de campo. É muito mais fácil jogar ao lado de alguém em que se confia e de quem se tem um conhecimento amplo. Porque, não se enganem, no futebol não são só os pés que interessam. E a união no balneário do Rio Ave não é recente, ganhando maior destaque mediático desde os tempos em que Ukra, além de grande líder dentro de campo, colocava todo o balneário a rir compulsivamente com as suas características brincadeiras. E isso é tudo importante, como está presente nas próprias redes sociais dos jogadores: os jantares, as viagens, os dias de folga e as churrascadas. Tudo isso contribui para o bem-estar dentro do balneário, que tem uma óbvia influência para aquilo que se passará dentro do relvado. No balneário do Rio Ave, mais do que colegas ou amigos, está um grupo de irmãos.

     Claro que todo o convívio e mais algum é fantástico, mas como em tudo na vida existem alturas para brincar e outras para encarar as coisas de forma frontal e séria. É para isso que todos os clubes têm um capitão, aquele que tenta liderar a equipa emocionalmente dentro de campo. E a verdade é que o Rio Ave dispõe do capitão mais instruído de todo o campeonato, um verdadeiro senhor jogador que conta com interessantíssimos projetos fora de campo. Claro, não podia ser outro que não Tarantini. Prestes a cumprir uma década no Rio Ave, Ricardo Monteiro, nome pelo qual poucos o reconheceriam, é um indiscutível na formação de Vila do Conde não só pela qualidade que oferece com os pés ou a inteligência que dispõe dentro de campo, mas também pela sua autoridade e capacidade de liderança, ele que reúne as capacidades de um verdadeiro capitão.

     Tarantini obteve o grau de mestre pela Universidade da Beira Interior em 2014, acabando o curso com 18 valores, defendendo a sua tese em Ciências do Desporto. Já com perto de 35 mil minutos jogados na sua carreira profissional, o médio de 33 anos tem o seu próprio site e projeto, onde se mostra defensor da possibilidade de conciliar a formação académica e o futebol profissional, algo que na sua opinião falta às mais recentes gerações que abandonam os estudos prematuramente em busca duma carreira de sonho que pode ou não acontecer. E se a própria sinopse da causa não lhe chama a atenção, Tarantini expõe dados impressionantes na página da sua causa, onde cita estudos que referem que a grande parte dos jogadores profissionais passam por sérias dificuldades num máximo de 5 anos após a sua retirada, o que acaba por ter consequências a nível pessoal. Tarantini reforça de forma séria a ideia de que, além de ser possível conciliar os estudos com o futebol, acaba por ser algo necessário porque o futebol - como jogador, claro - acaba por uma profissão a tempo inteiro, no máximo, até aos 35-40 anos. E a partir daí, o que fazer? Essa é a causa de Tarantini, que defende que tem de haver um planeamento coerente, a longo prazo, para a vida depois do futebol.

     A verdade é que grande parte desta união visível no grupo de trabalho do Rio Ave só é possível através da grande capitalização das redes sociais do clube, muito por culpa do seu diretor de comunicação, Marco Carvalho, que nos dá uma perspetiva - quase em tempo real, por vezes - do que se vai passando no clube de Vila do Conde, desde treinos a iniciativas relacionadas com a comunidade envolvente. É necessário, hoje mais do que nunca, que as redes sociais dos clubes acabem por atualizar de forma decente os próprios adeptos e seguidores do clube, mostrando também o lado mais humano dos atletas - porque eles também o são -, algo que muitas vezes a imprensa acaba por ignorar ou não dar, de todo, a importância devida. Nos dias de hoje, com as tecnologias existentes, é um pecado não conseguir ou não querer estabelecer uma relação, muitas vezes direta, entre jogadores e adeptos. E bem que o futebol necessita disso.

     Longe de ser apenas mais um clube, o Rio Ave tem aberto muitos olhos no futebol português durante as últimas temporadas, conciliando uma grande qualidade futebolística com um grupo de jogadores extremamente unido, criando uma harmonia perfeita e condições favoráveis para que a instituição acabe por ser bem sucedida nas várias frentes em que compete. Resta esperar que o próximo treinador dos verdes e brancos dê continuidade ao trabalho dos seus antecessores, que motivação neste balneário de irmãos, certamente, não faltará. O Rio Ave continuará a trabalhar de acordo com aquela que é uma das suas maiores virtudes: a sua identidade.

LUÍS BARREIRA, CRÓNICA FUTEBOLÍSTICA
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