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Prosperidade e protagonismo


     Hoje em dia é quase mandatário falar na Major League Soccer e em salários milionários na mesma frase. A quantidade de jogadores europeus e sul-americanos de renome que rumam ao campeonato norte-americano como jogadores designados não para de aumentar, e com isso surgem salários de invejar qualquer um no mundo do futebol. O que raramente é mencionado, contudo, são as condições com que estes jogadores acabam por proporcionar a si próprios e às suas famílias.

     Não é incomum, de igual modo, considerar a MLS como um “lar de idosos” para algumas das grandes estrelas do futebol de outrem, jogadores com uma idade considerável que já não conseguem render o mesmo que noutros tempos (veja-se o caso de Andrea Pirlo, que apesar de alguns bons momentos com a camisola do New York City FC acabou por perder inclusive o espaço no XI da equipa com Patrick Vieira, tirando brilho naquela que seria a sua última época como profissional). Mas, de qualquer forma, a verdade é que a idade dos jogadores designados – as estrelas das equipas, se quisermos ser mais práticos nesta definição – tem diminuído.

     Dentro de todos os jogadores designados e estrelas do futebol que têm rumado a terras americanos, um dos nomes tem claro destaque e vantagem sobre todos os outros, pelo que tem feito dentro de campo e como tem aproveitado a vida fora dele. Falo, claro, de Sebastian Giovinco, que reinventou a sua carreira de uma forma absolutamente notável.

     Em 86 jogos na fase regular da Major League Soccer (que só define o seu campeão através de playoffs que culminam na MLS Cup) o transalpino conta com umas notáveis 88 contribuições diretas – 55 golos e outras não menos impressionantes 33 assistências. Nas 3 temporadas em que o transalpino vestiu a camisola da formação canadiana o Toronto FC marcou 193 golos na fase regular do campeonato, o que se traduz numa percentagem de 45,5% de golos com cunho da formiga atómica. Em números de golos apenas, Giovinco marcou 28% dos tentos da formação canadiana desde que chegou ao futebol norte-americano.

     A verdade é que Giovinco sempre foi um grande talento. Brilhou no Parma e, embora não encontrasse a regularidade desejada no plantel da Juventus, acabou por ter momentos de grande brilho que lhe valeram os olhos do futebol europeu. E até por ser uma presença consistente no atual campeão italiano, mesmo que saindo do banco, a sua chegada à Major League Soccer acabou por ser um choque. Muitos consideravam – erradamente, como agora se pode ver – que a sua carreira teria acabado nesse momento e que seria apenas mais uma estrela no futebol americano que se iria, como “tantos” outros, encostar-se à sombra da bananeira.

     Mais do que uma estrela dentro dos relvados, a presença mediática do italiano neste campeonato fez com que o BMO Field tivesse casas cheias e com muitos dos adeptos a fazer questão de comprar a sua camisola da formiga atómica, ele que quebrou todos os recordes de vendas de camisola do clube de Toronto. A sua vinda para o clube mudou por completo a perceção dos adeptos canadianos face à equipa, vista por muitos como uma das fundações com piores resultados desportivos da MLS. Claro que as chegadas de talentos como Michael Bradley e Jozy Altidore não pode ser ignorada de forma nenhuma, mas não foram nem tão pouco mais ou menos influentes como o italiano.

     Apesar do Toronto chegar aos playoffs nas 3 épocas em que a formiga atómica constou no plantel, é justo dizer que esta transferência só se tornou num sucesso pleno em 2017, tendo em conta a conquista da MLS Cup por parte da formação canadiana (a 1ª da sua história, depois da amarga final perdida em 2016, no seu próprio estádio). Apesar de brilhar de forma constante pelos seus fantásticos golos de livre, momentos e celebrações efusivas, a conquista do campeonato pelos canadianos transformou Giovinco numa autêntica lenda viva do clube.

     Acaba por não ser ridículo referir que uma das principais motivações da transferência, num ponto de vista pessoal, acabou por ser o lado financeiro. Contabilizando prémios de jogo, o salário do italiano acaba por ultrapassar os 7 milhões de dólares anuais, o que lhe permite estabilidade nesse campo de forma incontestável. Apesar disso, o transalpino acabou por encontrar algo no futebol norte-americano – neste caso na cidade de Toronto – que não conseguia no futebol europeu ou em Turim, onde residia previamente.

     A cultura dos adeptos na Europa e em Itália, onde esta ideia talvez até faça mais sentido, é agressiva. Não com más intenções, mas as abordagens por parte de fãs e simpatizantes, além de constantes, são agressivas e muitas vezes incomodativas. Dentro deste espectro um atleta vê-se privado de muitas coisas ou, pelo menos, não se vê com a mesma privacidade para levar uma vida social pacata como decerto gostaria. O simples facto de poder andar pela cidade ou tomar um café em paz, com a mulher e o filho Jacopo ao lado, sem múltiplas abordagens de fãs que desejam um autógrafo ou as tão famosas selfies, acaba por fazer toda a diferença.

     É extremamente referir a ligação e a influência que uma vida pessoal pacata e pacífica acaba por ter na prestação de um atleta de elite dentro dos relvados. Mente sã, corpo são. Não é o que se costuma dizer?

     O único campo que poderia travar Giovinco numa adaptação plena à cidade de Toronto e à Major League Soccer era mesmo a barreira da linguagem. O inglês não é de todo o forte da formiga atómica, ele que prefere manter-se no italiano, a sua língua mãe. Porém, pelas suas próprias palavras, a língua acaba por não ser um obstáculo tão grande como aquilo que se previa, como o mesmo admitiu numa entrevista à prestigiada Players Tribune: “Acho que não sou muito falador com ninguém, na verdade. Talvez seja por causa da linguagem. Também acho que existem pessoas que falam bastante no balneário, mas depois há jogadores [como Giovinco] que deixam o seu talento nos relvados falar por si. O Del Piero era muito assim.”

     Aquando da sua estreia na MLS em 2015, haviam dois lados. Um dizia que a sua carreira iria sofrer um travão e que seria “apenas” mais uma estrela na MLS, a usufruir de um salário milionário, sem um rendimento desportivo que o justificasse. O outro lado expectava que, como se diz na gíria, Giovinco fosse partir tudo no campeonato norte-americano. Hoje é mais do que legítimo dizer que esse último lado era o correto, já que os números absolutamente incríveis e a conquista da MLS Cup em dezembro de 2017 fazem de Giovinco não só a estrela indiscutível da equipa, mas como o jogador mais valioso da história do clube. Além da conquista da MLS, o Toronto FC foi a equipa com mais pontos nos 34 jogos que compõem a fase regular do campeonato.

     Existiu mais nesta transferência do que apenas um salário exorbitante. A vida pacata e confortável que Giovinco tem em Toronto, junto da sua família, é meio caminho andado para um maior conforto dentro dos relvados, que se verifica em todos os jogos pela formação canadiana. Quando se reúnem condições dentro e fora dos relvados, o desfecho é este.

      Sebastian Giovinco é, com toda a justiça, o principal ponto de interesse individual da Major League Soccer. E, para além disso, um dos jogadores mais entusiasmantes de assistir semanalmente em todo o futebol mundial…

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