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Adeptos da bola #8 - César Alves


César Alves é o mais recente entrevistado do blog. Este treinador de 16 anos das escolas formação do AC Bougadense (e adjunto nos iniciados) prova que o sonho comanda a ambição. Sim, 16 anos. Não é todos os dias...



Nome, idade e clube que apoias.

César Alves, 16 anos, Futebol Clube do Porto.

Quando é que te viste adepto confesso do FC Porto?

Não consigo dizer "foi no dia X" ou na idade Y. Sei que sou do Porto desde sempre. O meu pai é portista, o meu avô materno é sócio há mais de 50 anos, e o meu bisavô idem. Sempre fui portista e sempre gostei de ver o Porto ganhar. Mas só há cerca de 4/5 anos me fui tornando o adepto doentio que sou hoje. Hoje sou mais portista do que nunca, e amanhã serei mais um bocadinho. Tem sido a minha vida, assim.

O facto de viveres no Norte ajuda a essa causa?

Não consigo dizer se vivesse em Lisboa, seria do Sporting ou do Benfica. No entanto, hoje não me imagino a apoiar outro clube que não o Porto, em Portugal. Impossível. O Porto foi tornando-se para mim, mais do que um clube, um conjunto de valores que sigo na vida. E não encontro semelhante no nosso país.

Qual é o teu maior sonho?

Profissionalmente, é ser treinador profissional, no alto rendimento. Não só por causa do jogo em si, mas tudo o que ele envolve. Fazer 50000 pessoas explodir de alegria, pelo trabalho que desenvolvemos, é mágico. Ajudar e guiar um conjunto de jogadores a atingirem os seus objetivos, é fantástico só de imaginar. Isso fascina-me. E mais ainda pelo facto da posição de treinador ter tantas "subfunções" a ela associadas. É algo que primo na minha vida. Acho que as pessoas devem saber fazer várias coisas. E o trabalho do treinador de alto rendimento não se esgota no escolher o 11 ao domingo. Treinos, executá-los e planeá-los, jogos, observar, estudar, refletir, reunir com os colaboradores. Gerir departamentos... E depois para gerir um departamento que pouco tem a ver com o futebol, como o médico, é importante pelo menos perceber algo do assunto, para poder escolher as melhores pessoas, e saber avaliar o trabalho delas. Mas, aliado ao sonho de ser treinador, tenho uma série de objetivos que quero cumprir. 

Quero, um dia, conseguir abrir uma fundação para as crianças desfavorecidas, os animais, e todos aqueles que precisam de ajuda. Quando se é famoso e se tem sucesso, consegue mover-se massas. Eu desejo o sucesso e a fama por esta razão. Como eu quero ajudar, quero muita gente a ajudar também, no futuro. Mais. Como eu tive uma oportunidade fantástica de me iniciar cedo naquilo que amo, quero ajudar outros miúdos, no futuro, a terem oportunidades destas. Seja no futebol, ou noutra área. Temos de apostar na formação das nossas crianças, porque elas são o futuro. E no fundo, quero que daqui a 100 anos, as pessoas ainda lembrem o meu trabalho e o impacto que eu espero ter na profissão que escolhi.

Perdeste respeito pelo André Villas-Boas, aquando da sua saída atribulada?

Não penso que tenha perdido o respeito. Doeu-me muito a saída do André, até porque ele foi uma das grandes personagens que me levaram a ser treinador. Toda aquela envolvência do "miúdo" que tinha o sonho de treinar o Porto, a postura dele, a sua maneira de ser, eram tudo situações nas quais eu me revia. No entanto, é óbvio que perante a decisão dele, uma decisão que eu não tomaria, fiquei magoado. Na altura, foi uma revolta enorme. Mas com o tempo, a admiração falou mais alto e hoje é ainda uma das pessoas que quero muito conhecer.

Mourinho ou Villas-Boas?

Diferentes, impossível escolher um. Repara que o Mourinho tem uma bagagem enorme, quer como treinador-adjunto, quero como treinador principal. E isso já lhe confere uma vantagem relativamente ao André que, embora também tenha um histórico interessante, é menos rico que o do Mourinho. Além disso, têm maneiras de estar no futebol muito diferentes. O André gosta de ganhar a jogar bem. A inspiração no Barcelona, o 1x4x3x3, a posse. Têm de estar lá na equipa do Villas-Boas. O Mourinho quer ganhar. Ponto final. Se joga com 3 na frente, com 2, com 4. Ele quer ganhar, não importa como joga. É óbvio que as suas equipas jogam muito futebol, o seu Real Madrid foi um portento na época passada e o Porto campeão europeu jogava muito futebol. Mas o Mourinho é um génio, um génio que lê o contexto em que se encontra, e se adequa a ele da melhor forma possível, para, lá está, o objetivo: ganhar. 

O André é um treinador de filosofia e penso que por vezes pode tentar mudar o contexto, o que, não sendo impossível, leva tempo. E tempo é muitas vezes aquilo que nós treinadores não temos. E ao nível do alto rendimento muito menos. 

Resume a tua experiência como treinador até ao momento.

Começou de forma caricata. Eu cheguei à conversa com o presidente do AC Bougadense, onde me encontro, e, depois de falar também com o coordenador da formação, fui inserido na equipa técnica dos Iniciados sub-15. Estavam a lutar pela subida de divisão e acabamos por terminar em 2º lugar, perdendo no último jogo. Fazendo uma retrospetiva, foi muito interessante a evolução. Quando comecei, era tudo novo para mim. 

Tinha, na altura, ainda 15 anos. E andava a "apalpar" os cantos àquele mundo, como se costuma dizer. Falava pouco. A minha vida no clube baseava-se muito no observar, observar, refletir. Foi muito isso o meu início. Mas tive sempre um excelente apoio, e senti sempre que nunca estava sozinho. Isso foi bom. O tempo foi passando e eu fui ganhando alguma importância. Passei a experienciar novas coisas, a dar treinos, a orientar até jogos amigáveis, e comecei a ganhar confiança. Penso que se baseou muito nisso, a confiança. Precisei do "balãozinho" de oxigénio que me deram para dar um pequeno grande salto. Hoje já me sinto muito mais à vontade, muito mais ativo, porque cresci como treinador. Não sou um "treinador" oficial, "no papel", mas eu sinto-me treinador, e quem trabalha comigo e quem me ensina quer isso. Que eu me sinta treinador. É importante o apoio que temos por trás, e as sensações são inacreditáveis.

O que sentes quando estás no banco?

É mágico. É o passar "à ação" do que vemos na televisão. É ter de ler o jogo com a "pressão" de aquilo depender de nós. Quando estamos no sofá, dizemos "ah e tal, eu mexia assim e assim, jogava desta maneira ou de outra". Mas no banco não há repetições, não há segundas oportunidades. Tens de agir na hora, no momento, e é preciso estar atento ao detalhe. Os primeiros jogos que orientei sozinho foram experiências riquíssimas, do ponto de vista do conhecimento e da experiência. Deram-me uma grande bagagem, e já chegava a casa a pensar "se calhar teria agido desta maneira ou daquela". No banco, a par do treino, é quando me sinto mais treinador.

Lá fora, tens preferências?

Tenho, como qualquer aficionado pelo futebol. Sou um amante do bom futebol, gosto do Barcelona, gosto do Arsenal. No entanto, o Real Madrid de Mourinho é uma máquina. E há outras boas equipas, com bons treinadores, que é algo que gosto sempre de saber. Sempre que uma equipa me agrada do ponto de vista do estilo de jogo, procuro saber quem é o treinador e perceber se as suas equipas jogam sempre assim ou se é contextual. Culturalmente, também é bom.

Como treinador é óbvio que percebes da coisa. Estás satisfeito com o modelo tatico de Vítor Pereira?

Primeiro é importante definir "modelo tático". Para ser mais específico, falemos de modelo de jogo e sistema tático. O sistema tático não é estanque, é (e deve ser) variável e é um complemento vital do modelo de jogo. Há muitos anos que o 4x3x3 vem sendo parte da filosofia do clube, e muito dificilmente veremos alguém a mudá-lo num futuro próximo. Temos jogadores para o sistema, e o 4x3x3 é dos mais fáceis de assimilar, e aquele que ocupa mais racionalmente todos os espaços do campo. É o meu sistema de eleição, por norma.

Em relação ao modelo de jogo, é um conjunto de comportamentos definidos pelo treinador, depois de analisar a equipa, a estrutura e o contexto em que se encontra, que quer ver evidenciados pelos jogadores ao longo da época. Neste modelo de jogo, está a filosofia da equipa, o tal sistema tático, principal e alternativos, nuances estratégicas, esquemas táticos, por aí fora... Falo, claro, do conhecimento que tenho. Falando então da forma como o Porto joga, com o Vítor Pereira tem variado um pouco, sobretudo em termos de atitude. Está lá a posse, o querer controlar o jogo, o 4x3x3, o avançado que vem buscar jogo  (nunca como com Falcao), por aí. 

Mas o que mais varia, e me entristece, é a atitude da equipa no jogo. Temos partidas em que há imensa posse de bola sem objetivo, lá atrás, e a equipa joga lenta, sem imprimir  velocidade e sem alegria, no fundo. Depois temos jogos fantásticos, como com o Paris St Germain, com intensidade, agressividade e o tal "jogar à Porto". Nesses jogos, espetacular. É preciso é saber gerir e manter. É impossível ser assim em 50 jogos numa época, eu sei. Mas a atitude da equipa não pode ser tão variável de jogo para jogo. É uma das poucas críticas que tenho ao trabalho do Vítor, que, a meu ver, em relação à época passada, melhorou muito, sobretudo em termos de comunicação. E sou um admirador dele.

Estás contente com as recentes decisões da direção, envolvendo o basquetebol e a venda do Incrível?

Em relação ao basquetebol, não sabendo (e nunca saberei) as verdadeiras razões que levaram à decisão, é óbvio que me entristece ver uma modalidade sénior terminar. Mas acredito que no prazo de 3/4 anos teremos a equipa de volta, e que se aposte agora sobretudo na formação. Assunto Hulk, pouco há a dizer. Se ele quis ir, a melhor decisão foi deixá-lo sair. Todos sabíamos que nunca seria por 100M€, e 60M€ foi uma boa quantia. Em termos da sua carreira, se foi o melhor pra ele ou não, já tenho dúvidas. Quanto ao Porto, as pessoas passam, e o clube fica. Só não me tirem o Pinto da Costa (risos).

Uma opinião sobre o blog.

Para já, não dava a entrevista se a opinião não fosse positiva. Gosto, conheço e sei o valor da pessoa e o trabalho de quem está por trás do Blog, e esta entrevista, mais que uma abertura ao mundo da minha opinião, é uma forma de expressar apoio para que se aposte, mais uma vez, na juventude. Força!

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